ESTADO DO ACRE
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOTORIA ESPECIALIZADA DE DEFESA DA CIDADANIA E SAÚDE
RECOMENDAÇÃO N. 001/2009
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua
origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam
aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a
amar”
(Nelson Mandela).
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO ACRE, por sua Promotora de Justiça
signatária, no uso de suas atribuições
institucionais, ao final assinado, e
CONSIDERANDO a instauração do Procedimento
Administrativo n.º 004416/2008, no âmbito desta Promotoria
Especializada de Defesa da Cidadania e Saúde, cuja finalidade é
apurar a discriminação religiosa praticada pelas entidades
religiosas;
CONSIDERANDO que a Magna Carta em vigor em
seu art. 127, ampliando o campo de atuação do Ministério Público,
atribuiu a esta Instituição a incumbência da defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, ao mesmo tempo em que, dentre outras
funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito
dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos nela assegurados, promovendo as necessárias medidas a
sua garantia, tal como determina o art. 129, inciso II;
CONSIDERANDO
o preceituado no art. 27,
parágrafo único, inciso IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), legitimando o
Ministério Público a expedir recomendações dirigidas às entidades
que executem serviço de relevância pública, com vistas à defesa
dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual;
CONSIDERANDO que a ofensa às religiões
afrobrasileiras consiste no uso freqüente de palavras como
“encosto”, “feitiçaria”, “bruxaria”, “sessão de descarrego”,
“macumbaria”, dentre outros;
CONSIDERANDO que a religião constitui um dos
elementos fundamentais em sua concepção de vida e que, portanto,
a liberdade de religião deve ser integralmente respeitada e
garantida;
CONSIDERANDO que é essencial promover a
compreensão, a tolerância e o respeito nas questões relacionadas
com a liberdade de religião e assegurar que não seja aceito o uso
da religião com fins incompatíveis com os da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que é discriminação a restrição
motivada pela diferença racial ou de cor, como também são
consideradas discriminações as originadas de diferenças entre
credos religiosos;
CONSIDERANDO que a liberdade de religião deve
contribuir também na realização dos objetivos da paz, justiça
social e amizade entre os povos e à eliminação das ideologias ou
práticas da discriminação racial;
CONSIDERANDO que se deve adotar todas as
medidas necessárias para a rápida eliminação de tal intolerância em
todas as suas formas e manifestações, com o intuito de prevenir e
combater a discriminação por motivos de religião;
CONSIDERANDO que a legislação brasileira
considera crime o ato discriminatório de origem, raça, cor, estado
civil, situação familiar, idade e sexo (Lei nº 9.029/95 e Lei
7.716/89);
CONSIDERANDO que a intolerância religiosa vem
sendo praticada habitualmente pela sociedade ante a falta de
habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar as diferenças ou
crenças religiosas de terceiros;
CONSIDERANDO que o Estado Brasileiro é laico.
Isso significa que ele não deve ter, e não tem religião. Tem, sim, o
dever de garantir a liberdade religiosa (art. 5º, inciso VI, da
Constituição);
CONSIDERANDO que reunidos em Nova York, no
Encontro de Cúpula Mundial de Líderes Religiosos e Espirituais pela
Paz Mundial, lideranças evangélicas, católicas, budistas, judaicas,
islâmicas, espíritas, hinduístas, taoístas, bahá’is, esotéricas e de
tantas religiões antigas e modernas firmaram o Compromisso com
a Paz Global,
onde os líderes religiosos e espirituais se
comprometeram, entre outras medidas, a: a) condenar toda
violência cometida em nome da religião, buscando remover as raízes
da violência; b) apelar a todas as comunidades religiosas e aos
grupos étnicos e nacionais a respeitarem o direito à liberdade
religiosa, procurando a reconciliação, e a se engajarem no perdão e
no auxílio mútuos; c) despertar em todos os indivíduos e
comunidades o senso de responsabilidade, compartilhada entre
todos, pelo bem-estar da família humana como um todo, e o
reconhecimento de que todos os seres humanos –
independentemente de religião, raça, sexo e origem étnica – têm o
direito à educação, à saúde e à oportunidade de obter uma
subsistência segura e sustentável;
CONSIDERANDO que o Código Penal Brasileiro,
por sua vez, considera crime (punível com multa e até detenção)
zombar publicamente de alguém por motivo de crença religiosa,
impedir ou perturbar cerimônia ou culto, e ofender publicamente
imagens e outros objetos de culto religioso (art. 208);
CONSIDERANDO que a mais alta Corte Brasileira,
o Supremo Tribunal Federal, já decidiu que a discriminação
religiosa é uma espécie de prática de racismo (STF, HC nº
82.424, Rel. Ministro Moreira Alves);
CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos determina que a intolerância religiosa ofende a
dignidade da pessoa humana e é uma grave violação dos direitos
humanos (art. 18);
CONSIDERANDO que todos possuem o direito de
praticar sua crença de acordo com seus costumes, tradições e
valores (Declaração para a Eliminação de todas as Formas de
Intolerância e de discriminação baseada em Religião ou Crença);
CONSIDERANDO que o art. 221, inciso IV, da
Constituição da República OBRIGA as emissoras de televisão a
respeitar, em sua programação, os valores éticos e sociais da
pessoa e da família, dentre os quais, certamente, estão a igualdade
e as liberdades religiosas;
CONSIDERANDO que a discriminação entre os
seres humanos por motivo de religião constitui uma ofensa à
dignidade humana e uma negação dos princípios da Constituição
Federal, e deve ser condenada como uma violação aos direitos
fundamentais do cidadão, devendo ser motivada ações judiciais e
criminais, nos termos dos arts. 5º, incisos XIII e XLII da
Constituição Federal, art. 5º, inciso I, § 3 e art. 301 do Código de
Processo Penal , Lei 7.716/89 e art. 208 do CP.
RECOMENDA:
1 - Às Instituições Religiosas e à sociedade de Rio
Branco que se abstenham de praticar atos discriminatórios por
motivos de religião e nem exerçam coação capaz de limitar a
liberdade do individuo de ter aa religião de sua preferência.
2 – Encaminhem-se cópias desta Recomendação aos
Representantes dos Templos Religiosos desta cidade, bem como
aos Presidentes da Assembléia Legislativa e Câmara de Vereadores,
para ciência.
3 – Encaminhem-se cópias desta Recomendação,
também, para as Emissoras de Televisão e Jornais Periódicos, para
darem ampla divulgação a sociedade de Rio Branco, visando
cientificar o conteúdo da Recomendação para, de forma preventiva,
coibir a prática de atos discriminatórios por motivo de religião.
4 – A não observância integral contida na presente
Recomendação acarretará a adoção, pelo Ministério Público
Estadual, das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Registre-se. Publique-se. Cumpra-se.
Rio Branco-Acre, 03 de abril de 2009.
Gilcely Evangelista de Araújo Souza
Promotora de Justiça